A jornada do Prata: uma análise dos confrontos da Seleção Brasileira Feminina nos Jogos Olímpicos de Paris 2024

Prata nas Olimpíadas de Paris, a Seleção Brasileira Feminina selou a importância da sua renovação para seguir seu desenvolvimento no alto nível competitivo.

A campanha durante o mata-mata foi marcada por performances intensas e emocionantes para aqueles que seguem a modalidade há tanto tempo, refletindo na evolução da mesma e como o país deve seguir na busca pela excelência. O impacto do desempenho brasileiro ao vencer a França pela primeira vez na história, golear a Espanha, campeã mundial em 2023, e chegar novamente a uma final olímpica foi enorme.

Em virtude disso, vamos analisar os desdobramentos das três partidas da fase final do torneio, ressaltando estratégias e situações-chave num legado interessante para o futuro da modalidade no país.

Quartas de final x França

Contra as donas da casa, o Brasil concentrou em preencher o corredor central, reduzir o volume de jogo por ali, induzir aos cruzamentos, e controlar os duelos na grande área.

Foco e dedicação na marcação individual, disciplina para executar tarefas sem bola, aproximação para pressionar e induzir o erro; seja para criar vantagem em contra-ataque, impedir progressão das francesas ou apenas isolar linhas de passe.

Com bola, as jogadoras buscaram maior amplitude para progredir sem marcação e criar volume de jogo a partir do 1×1.

Destaque para a proteção de profundidade com a primeira linha de defesa; Gabi Portilho para arrastar a marcação; solidez da Ana Vitória para conter a agressividade francesa, velocidade de raciocínio da Yasmim para executar tarefas; imposição e firmeza da Tarciane nos duelos, leituras e abordagem em posição de expectativa (pés próximos, corpo lateralizado, centro de gravidade baixo, e distribuição da atenção nos pés e no corpo da adversária).

Semifinal x Espanha

Numa partida que garantia medalha para quem avançasse, as jogadoras e Arthur Elias transformaram muitas possibilidades em um só objetivo: subir o bloco para incomodar a saída curta no chão da Espanha e também punir o máximo que conseguissem em campo aberto.

Logo de cara a marcação alta concede ótimas chances para o Brasil — situações claras que, provavelmente, não eram esperadas com tanta frequência acabam gerando enorme expectativa e certa ansiedade para fazer o gol, de tão acessível e palpável que aquele confronto, até então improvável, se tornou. A partir desse ponto principal, a seleção tem total controle das suas ações. E tudo isso com poucos toques na bola, mas um poder de decisão chave e importante para definir.

O meio-campo ocupou possíveis zonas de passe durante boa parte do jogo e o Brasil encontrou boas alternativas além do jogo reativo — como em lançamentos que procuravam a projeção das atacantes Priscila e Gabi Portilho.

A proteção da profundidade se torna fundamental aqui — as zagueiras Tarciane, Lauren e Thais Ferreira são responsáveis por esse controle e competem muito bem — a primeira linha de pressão (atacantes) na adversária que tem a posse, ativou uma regularidade no intervalo para saltar e pressionar, o que naturalmente gera espaços no seu campo de defesa.

Ponto importante para se lembrar é que, a necessidade de correr atrás do placar desde os seis minutos, e sair em desvantagem de dois gols do primeiro tempo, fez a Espanha levar praticamente todas suas jogadoras de linhas para o campo de ataque, o que colaborou consideravelmente para a abordagem brasileira conforme o passar do tempo.

As ameaças

Realizar uma marcação individual, com o objetivo de conter as melhores jogadoras da outra equipe é algo extremamente difícil, mas oferece cenários para travar por completo o sistema do seu adversário; bloqueios, aproximação e antecipação para impedir que a adversária crie vantagem, superioridade e/ou utilize um espaço vantajoso para criar oportunidade de gol.

Nessa partida, Salma Paralluelo, uma das melhores atacantes do mundo, e Aitana Bonmati, a melhor jogadora do mundo, e são os grandes alvos — a última de forma ainda mais vigilante que a primeira: conter as principais ligações da Espanha sem perder a referência da marcação e com uma cobertura inegociável.

Os principais duelos acabam em Aitana sob vigilância da Yaya, e constante cobertura da Angelina; Paralluelo supervisionada por Tarciane, com cobertura da Lauren.

Reparem como se tornou intuitivo a marcação individual nessas duas jogadoras, e como a todo momento alguma — Aitana quase sempre — está sempre cercada e sem espaços para receber/progredir/pausar/acelerar/reter. Movimento de pescoço da Yaya para não perder a referência*

Por fim, a imposição física da Espanha fez com que o Brasil, que correu muito o jogo inteiro, recuasse suas linhas e alternasse entre o bloco baixo e bloco médio, com o objetivo de proteger a própria área e reduzir o máximo de espaços possíveis, valorizando a vantagem no placar.

Apesar de “chamar” o time adversário para mais perto da sua área, um bloco mais baixo permite que as jogadoras corram menos o campo sem a bola, facilita os encaixes individuais, a proteção de zonas de passe e profundidade, e também pequenos ajustes de marcação.

A necessidade de se impor fisicamente, com muita intensidade, constante energia e uma dedicação obstinada para executar as tarefas resultou num Brasil valente em cada disputa, mas também num Brasil muito cansado contra adversárias que se mantêm num ritmo altíssimo. A competitividade durante os vinte minutos finais — mais precisamente a partir do primeiro gol da Espanha — é uma aula de resiliência de cada uma das jogadoras brasileiras para colocar o país novamente numa decisão olímpica.

Final x Estados Unidos

Na caça pelo ouro, a seleção foi ainda mais incisiva nos seus compromissos no campo ofensivo e, principalmente, como deveria tratar as variáveis no terço final — boas trocas com Adriana pelo lado direito e Ludmilla com Jheniffer pela esquerda; liberdade para infiltrar, movimento de ruptura para superar duelos e troca de corredor para retirar a bola de zonas de pressão.

Mesmo contra os Estados Unidos, que tende a ser mais compacto no seu bloco, as brasileiras perceberam os espaços com frequência e, como na semifinal, criou boas chances para finalizar — não tão claras como contra a Espanha, até pela superioridade física da primeira linha americana —, e tiveram oportunidades para abrir o placar ainda no primeiro tempo.

Apesar da ótima abordagem para inversões, cruzamentos pontuais e constante movimentação das atacantes do lado oposto, faltou a efetividade para definir e agarrar o ouro.

Interessante destacar que, ainda no primeiro tempo, a mesma jogada do gol marcado pela Mallory Swanson acontece — um passe entre as defensoras, só que dessa vez os Estados Unidos mostrou mais velocidade após conseguir recuperar a bola e, assim, superando qualquer chance de reação da linha defensiva do Brasil.

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